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quarta-feira, 13 de julho de 2016

Ciúmes - Porta aberta para a obsessão

(André Luiz acompanha uma senhora médium, desdobrada durante o sono, adoecida de ciúmes)
(Do livro Libertação. André Luiz/Chico Xavier. 11a edição. 1984. Federação Espírita Brasileira)


Finda a reunião, reparei que a médium Dona Isaura Silva apresentava sensível transfiguração.

Enquanto perduravam os trabalhos, mostrava radiações brilhantes, em derredor do cérebro, oferecendo simpático ambiente pessoal; entretanto, encerrada que foi a sessão, cercou-se de emissões de substância fluídica cinzento-escura, qual se houvesse repentinamente apagado, em torno dela, alguma lâmpada invisível.

Impressionado, dirigi-me a Sidônio, com natural indagação, ao que ele me respondeu atencioso:

- A pobrezinha encontra-se debaixo de verdadeira tempestade de fluidos malignos que lhe vão sendo desfechados por entidades menos esclarecidas, com as quais se sintonizou, inadvertidamente, pelos fios negros do ciúme. Enquanto se acha sob nossa influência direta, mormente nos trabalhos espirituais de ordem coletiva, em que age como válvula captadora das forças gerais dos assistentes, desfruta bom ânimo e alegria, porque o médium é sempre uma fonte que dá e recebe, quando em função entre os dois planos; terminada, contudo, a tarefa, Isaura volta às tristes condições a que se relegou.

- Não há, porém, algum recurso para socorrê-la? - Indaguei, curioso.

- Sem dúvida - elucidou o orientador da pequena e simpática instituição -, e, porque não a abandonamos, ainda não sucumbiu. É imprescindível, todavia, num processo de semelhante natureza, agir com cautela, sem humilhá-la e sem feri-la. Quando defendemos um broto tenro, do qual é justo aguardar preciosa colheita no porvir, é necessário combater os vermes invasores, sem atingi-lo. Crestar o grelo de hoje é perder a colheita de amanhã. Nossa irmã é valorosa cooperadora, revela qualidades apreciáveis, e dignas, porém, não perdeu ainda a noção de exclusivismo sobre a vida do companheiro e, através dessa brecha que a induz a violentas vibrações de cólera, perde excelentes oportunidades de servir e elevar-se. Hoje, viveu um dos seus dias mais infelizes, entregando-se totalmente a esse gênero de flagelação interior. Reclama-nos concurso ativo, nesta noite, pois cada servo acordado para o bem, quando se projeta em determinada faixa de vibrações inferiores durante o dia, marca quase sempre uma entrevista pessoal, para a noite, com os seres e as forças que a povoam.
Estampou na fisionomia significativa expressão e acrescentou:

- Enquanto a criatura é vulgar e não se destaca por aspirações de ordem superior, as inteligências pervertidas não se preocupam com ela; no entanto, logo que demonstre propósitos de sublimação, apura-se-lhe o tom vibratório, passa a ser notada pelos característicos de elevação e é naturalmente perseguida por quem se refugia na inveja ou na rebelião silenciosa, visto não conformar-se com o progresso alheio.

(...) coloquei-me, ao lado de Sidônio (1), em interessante conversação.

Por enquanto – explicou-me a certa altura da útil palestra -, este domicílio está sob a guarda dos nossos processos de vigilância. Entidades perturbadoras ou criminosas não despõem de acesso até aqui, mas nossa amiga, transtornada pelo ciúme, vai, ela mesma, ao encalço de maus conselheiros. Esperemos que abandone o veículo de carne, soba a ação do sono, e verás, de perto.

Decorridas apenas duas horas, vimos o senhor Silva que nos acenava da porta próxima, já desligado do corpo físico. Sidônio levantou-se e, convocando um de seus auxiliares, recomendou-lhe acompanhasse o dono da casa em proveitosa excursão de estudos.

O irmão Silva, junto de nós, alegou, pesaroso:

-          Tanto desejava que Isaura viesse, mas não me atendeu aos apelos!

- Deixa-a! – observou Sidônio, com inflexão de energia na voz – naturalmente ainda hoje não se acha preparada para atender às lições.

O interlocutor mostrou profunda tristeza no semblante calmo, porém não vacilou. Seguiu sem delongas, o cooperador que lhe era apresentado.

Mais alguns minutos e D. Isaura, fora do corpo de carne, surgiu-nos à vista, revelando o perispírito intensamente obscuro. Passou rente a nós sem prestar-nos a mínima atenção, mostrando-se encarcerada em absorvente ideia fixa. Sidônio endereçou-lhe algumas palavras amigas, que não foram absolutamente ouvidas. Tentou o amigo tocá-la com a destra luminosa, mas a médium precipitou-se em desabalada carreira, deixando-nos perceber que a nossa aproximação lhe constituía, naqueles instantes, aflitiva tortura. Encontrava-se incapaz de assinalar-nos a presença; entretanto, percebia-nos, instintivamente, as vibrações mentais e demonstrava temer o contacto espiritual conosco.

O benfeitor explicou-me que poderia constrangê-la a ouvir-nos, obrigando-a a submeter-se, sem reservas, à nossa influência; no entanto, semelhante atitude de nosso lado implicaria a supressão indébita das possibilidades educativas. Isaura, o fundo, era senhora do próprio destino e, na experiência íntima, dispunha do direito de errar para melhor aprender – o mais acertado caminho de defesa da própria felicidade. Ali estava, a fim de ajudá-la, quanto possível, na preservação das forças físicas, mas não para algemá-la a atitudes com que ainda não pudesse concordar espontaneamente, nem mesmo em nome do bem que não reclama escravos em sua ação e, sim, servidores livres, contentes e otimistas.

Com grande surpresa para mim, o prestimoso guardião continuou explicando que aquela senhora, efetivamente, detinha extensas possibilidades no serviço aos semelhantes. Caso quisesse perdê-las temporariamente, outro recurso não nos cabia senão o de entregá-la à corrente da própria vontade, até que um dia conseguisse ela própria despertar em plano de compreensão mais alta. Sabia, à saciedade, que o marido não lhe era propriedade exclusiva, que o ciúme tresloucado só poderia conduzi-la a perigosa situação espiritual, não ignorava que a palavra do Mestre exortava os aprendizes ao perdão e ao amor para que os companheiros mais infelizes não se projetassem nos despenhadeiros fundos da estrada. Entretanto, se os seus desígnios se demorassem na linha contrária ao roteiro que o plano superior lhe havia traçado, só nos restaria deixá-la circunscrita aos círculos da mente em desânimo ou em desespero, a fim de que o tempo lhe ensinasse o reajustamento próprio.
Depois de pacientes elucidações, Sidônio concluiu num sorriso melancólico:

- Educação não vem por imposição. Cada Espírito deverá a si mesmo a ascensão sublime ou a queda deplorável.

A esse tempo, acompanhávamos a senhora Silva, fora do corpo de carne, a fugir de seu domicílio para a via pública. Estugou o passo até encontrar velha casa desabitada, a cuja sombra se lhe depararam dois malfeitores desencarnados, inimigos sagazes do serviço de libertação espiritual de que se convertera em devotada servidora. É evidente que a esperavam com o propósito deliberado de intoxicar-lhe o pensamento.

Abeiraram-se dela, amistosos e macios, sem se aperceberem da nossa presença.

- Com que, então, Dona Isaura - disse um dos embusteiros, apresentando na voz mentiroso acento de compaixão -, a senhora tem sofrido bastante em seus respeitáveis sentimentos de mulher...

- Ah! Meu amigo - clamou a interpelada visivelmente satisfeita por encontrar alguém que se lhe associasse às dores imaginárias e infantis -, então, o senhor também sabe?

- Como não? - comentou o interlocutor, enfático - sou um dos Espíritos que a "protegem" e sei que seu esposo lhe tem sido desalmado verdugo. A fim de "ajudá-la", tenho seguido o infeliz, por toda parte, surpreendendo-lhe as traições aos compromissos domésticos.

D. Isaura, em lágrimas, confiou-se ao fingido amigo.

- Sim - gritou, molestada -, esta é que é a verdade! Sofro infinitamente... Não existe neste mundo criatura mais desventurada que eu...

- Reconheço - acentuou o loquaz perseguidor -, reconheço a extensão de seus padecimentos morais, vejo-lhe o esforço e o sacrifício e não ignoro que seu marido eleva a voz nas preces, através das sessões habituais, para simplesmente acobertar as próprias culpas. Por vezes, em plena oração, entrega-se a pensamentos de lascívia, fixando senhoras que lhe frequentam o lar.

Envolvendo a médium imprevidente na melifluidade das frases, aduzia:

- É um absurdo! Dói-me vê-la algemada a um patife mascarado de apóstolo.

- É isto mesmo... - confirmava a pobre senhora, qual se fora andorinha delicada, portadora de importante mensagem, repentinamente presa num tabuleiro de mel -, estou rodeada de gente desonesta. Nunca sofri tanto!

Indicando o quadro triste, Sidônio informou-me:

- Antes de tudo, os agentes da desarmonia perturbam-lhe os sentimentos de mulher, para, em seguida, lhe aniquilarem as possibilidades de missionária. O ciúme e o egoísmo constituem portas fáceis de acesso à obsessão arrasadora do bem. Pelo exclusivismo afetivo, a médium, nesta conversação, já se ligou mentalmente aos ardilosos adversários de seus compromissos sublimes.
Deixando transparecer imensa tristeza, acrescentou:

- Repara.

O inteligente obsessor abraçou a senhora, parcialmente desligada do corpo físico, e prosseguiu:

- Dona Isaura, acredite que somos seus leais amigos. E os protetores verdadeiros são aqueles que, como nós, lhe conhecem os padecimentos ocultos. Não é justo que se submeta às arbitrariedades do marido infiel. Abstenha-se de receber-lhe o séquito de companheiros hipócritas, interessados em orações coletivas, que mais se assemelham a palhaçadas inúteis. É um perigo entregar-se a práticas mediúnicas, qual vem fazendo em companhia de gente dessa espécie... Tome cuidado!...
A médium invigilante arregalou os olhos, impressionada com a estranha inflexão impressa nas palavras ouvidas, e gritou:

- Aconselhe-me, Espírito generoso e amigo, que tão bem me conhece o martírio silencioso!

O interlocutor, na intenção de destruir a célula iluminativa que funcionava com imenso proveito no santuário doméstico da jovem senhora, assediada agora por seus argumentos adocicados e venenosos, observou com malícia:

- A senhora não nasceu com a vocação do picadeiro. Não permita a transformação de sua casa em sala de espetáculo. Seu marido e suas relações sociais exageram-lhe as faculdades. Precisa ainda de longo tempo para desenvolver-se suficientemente.

E envolvendo-a nos pesados véus da dúvida que anulam tantos trabalhadores bem intencionados, aduziu:

- Já meditou bastante na mistificação inconsciente? Está convencida de que não engana os outros? É indispensável acautelar-se. Se estudar a grave questão do Espiritismo, com inteligência e acerto, reconhecerá que as mensagens escritas por seu intermédio e as incorporações de entidades supostamente benfeitoras não passam de pálidas influências de Espíritos perturbados e de alta percentagem dos produtos de seu próprio cérebro e de sua sensibilidade agitada pelas exigências descabidas das pessoas que lhe frequentam a casa. Não vê a plena consciência com que se entrega ao imaginado intercâmbio? Não creia em possibilidades que não possui. Trate de preservar a dignidade de sua casa, mesmo porque seu esposo não tem outro objetivo senão o de utilizar-lhe a credulidade excessiva, lançando-a a triste aventura do ridículo.

A pobre criatura, tão ingênua e prestimosa, registrava com visível terror aquela conceituação do assunto.

Espantado com a passividade de Sidônio, ante aquele assalto, enderecei-lhe a palavra, respeitoso, porém menos tranquilo:

- Não será razoável defendê-la?

Ele sorriu compreensivamente e elucidou:

- Todavia, que fizemos, há poucas horas, no culto da prece e do socorro fraternal, senão prepará-la à própria defensiva? Trabalhou mediunicamente conosco; ouviu formosa e comovedora preleção evangélica contra os perigos do egoísmo enfermiço; colaborou, decidida, para que o bem se concretizasse e ela própria emprestou-nos os lábios a fim de ensinarmos princípios de salvação em nome do Cristo, a quem deveria confiar-se. Entretanto, apenas porque o esposo se dispôs a justa gentileza com as damas que lhe buscaram a companhia esclarecedora e fraterna, obscureceu o pensamento no ciúme destruidor e perdeu o equilíbrio íntimo, entregando-se, inerme, a entidades que lhe exploram o sentimentalismo.

(...)

- Mas não há recurso - inquiri, sensibilizado - de afastar semelhantes malfeitores?

- Sem dúvida - elucidou Sidônio, bem humorado -, em toda parte existe contenção e panaceia, remediando situações pela violência ou pelo engodo prejudiciais, mas, na intimidade de nossa tarefa, que será mais aconselhável? Espantar moscas ou curar a ferida?

Sorriu, enigmático, e prosseguiu:

- Tais dificuldades são lições valiosas que o Espírito do medianeiro, entre encarnados e desencarnados, deve aproveitar em bendita experiências e não nos compete subtrair o ensinamento ao aprendiz. Enquanto um trabalhador da mediunidade empresta ouvidos a histórias que lhe lisonjeiem a esfera pessoal, disso fazendo condição para cooperar na obra do bem, quer dizer que ainda estima o personalismo inferior e o fenômeno, acima do serviço que lhe cabe no plano divino. Nessa posição, demorar-se-á longo tempo entre desencarnados ociosos que disputam a mesma presa, anulando valiosa ocasião de elevar-se, porque, depois de certo empo de auxílio desaproveitado, perde provisoriamente a companhia edificante de irmãos mais evolvidos que tudo fazem inutilmente pelo reerguer no caminho. Então cai vibratoriamente no nível moral a que se ajusta, convive com as entidades cujo contacto prefere e acorda, mais tarde, verificando as horas preciosas que desprezou.

A esse tempo, o obsidente de Dona Isaura afirmava-lhe, palrador:

- Estude a senhora o próprio caso. Consulte cientistas competentes. Leia as últimas novidades em psicanálise e não perca sua oportunidade de restauração, sob pena de enlouquecer.

E comentava, sacrílego:

- Falo-lhe em nome das Esferas Superiores, na qualidade de amigo fiel:

- Sim... compreendo... - concordava a interlocutora, tímida e desapontada.

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(1)    Sidônio: entidade espiritual com quem André Luiz compartilha esta experiência.


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