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sexta-feira, 18 de março de 2016

O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo V - 06 - Bem-Aventurados os Aflitos



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Causas anteriores das aflições

6. Mas se há males nesta vida, de que o homem é a causa principal, há outros para os quais ele é, pelo menos na aparência, completamente estranho e que parecem atingi-lo como que por fatalidade. Tal por exemplo, a perde de entes queridos e a dos que são o amparo da família. Tais, ainda, os acidentes que nenhuma previdência poderia impedir; os reveses da fortuna, que frustram todas as medidas de prudência; os flagelos naturais, as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos infelizes os meios de ganhar a vida pelo trabalho; as deformidades, a idiotia, o cretinismo, etc.

Os que nascem em semelhantes condições, certamente nada fizeram na existência atual para merecer, sem compensação, tão triste sorte, que não podiam evitar, que são impotentes para mudar por si mesmos e que os põe à mercê da comiseração pública. Por que, pois, seres tão infelizes, enquanto, ao lado deles, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos em todos os sentidos?

Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas que ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalia que nenhuma religião pôde justificar e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, na hipótese de a alma ser criada ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua sorte fixada irrevogavelmente após a permanência de alguns instantes na Terra. Que fizeram essas almas, que acabam de sair das mãos do Criador, para sofrerem tantas misérias neste mundo e para merecerem no futuro uma recompensa ou uma punição qualquer, já que não puderam praticar nem o bem, nem o mal?

Todavia, em virtude do axioma segundo o qual todo efeito tem uma causa, tais misérias são efeitos que devem ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também deve ser justa. Ora, como a causa sempre precede o efeito, se a causa não se encontrar na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, deve estar numa existência precedente. Por outro lado, não podendo Deus punir (1) alguém pelo bem que fez, nem pelo mal que não fez, se somos punidos, é que fizemos o mal. se não fizemos esse mal na vida presente, é que o fizemos em outra. É uma alternativa a que ninguém pode escapar e em que a lógica decide de que lado está a justiça de Deus.

O homem, portanto, nem sempre é punido, ou punido completamente, na sua existência atual; mas não escapa jamais às consequências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea; se ele não expiar hoje, expiará amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando o seu passado. O infortúnio que, à primeira vista, parece imerecido, tem sua razão de ser, e aquele que sofre pode sempre dizer: "Perdoai-me, Senhor, porque pequei".

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Minhas notas:

1) na segunda metade do século XIX, época em que a obra Kardequiana foi escrita, vigorava havia milênios a ideia da "Divindade" punidora. A imagem de "Deus" no antigo testamento é exatamente esta. a do Deus que pune.

A ideia do Deus-Amor veio somente com Jesus. No entanto, persistiu na filosofia religiosa oriunda do Judaísmo e do paganismo romano, o arquétipo de Divindade predominante, que premiava os "bons" e punia os "maus". O conceito de "inferno" e das penas eternas, introduzido no seio do cristianismo, bem como o culto ao antigo testamento, mesmo após a nova revelação, a "boa nova" de Jesus, contribuíram (e contribuem) significativamente para perpetuar a ideia do Deus "punidor".

Em meio a esse ambiente mental, a esse paradigma dominante em torno de 1850, estavam inseridos Allan Kardec e os médiuns que contribuíram para a codificação da doutrina espírita. Apesar dos dogmas da religião ocidental dominante haverem sido profundamente questionados pelo espiritismo, era natural que ideias do arcabouço intelectual dos médiuns, como em toda comunicação mediúnica, também fizessem parte do produto final de seu trabalho.

Atualmente, muitos espíritas, entre os quais me incluo, não concebem, sob o crivo da razão, a possibilidade de que Deus, sendo Amor Infinito, realize qualquer tipo de punição. Esse grupo de pessoas prefere utilizar o vocábulo "educação" a "punição". Sob essa ótica, a condição pela qual um espírito passa quando encarnado não tem finalidade outra que a de auxiliá-lo o mais possível a desenvolver as qualidades espirituais e morais que mais lhe são necessárias, o que nada mais é, em outras palavras, que um processo educativo.


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