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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O que é o Bhagavad Gîtâ

Introdução à Edição da Editora Pensamento, 
tradução de Francisco Valdomiro Lorenz


O Bhagavad Gîtâ (1), isto é, A Sublime Canção, também designada como a Canção do Senhor ou Mensagem do Mestre, é uma das obras mais importantes que existem no mundo. Este livro é altamente prezado pelos budistas e venerado como Escritura Sagrada pelos brâmanes, que, freqüentemente, o citam como autoridade no que se refere à religião hindu. A filosofia nele exposta é um conjunto harmonioso das doutrinas da Patanjali (a), Kapila (b) e dos Vedas (c).

O Bhagavad Gîtâ é um episódio da grande e antiga epopéia hindu intitulada Mahâbhârata (2), que contém 250.000 versos, descrevendo a grande guerra entre os Kurus e os Pàndavas, que tinha por objetivo a posse de Hastinapura (6), um dos centros mais importantes da civilização ariana. Em sua forma literal, apresenta o Bhagavad Gîtâ um interessante diálogo entre Krishna (3) e Arjuna (4), tratando de um fato histórico; mas os Mestres hindus dizem que este livro maravilhoso tem sete sentidos, e aconselham ao leitor esforçar-se por penetrar no seu mais profundo sentido interior ou espiritual.

A leitura desta Sublime Canção é útil para todos: cada um, porém, poderá assimilar e compreender só aquilo que estiver em harmonia com o desenvolvimento de suas faculdades psíquicas e espirituais.

(Esta tradução) (...) tem por fim auxiliar os leitores nesse desenvolvimento, a que todo o ser pensante deve dedicar a sua vida. Não podemos desvendar o sentido esotérico deste precioso livro, porque - conforme as leis da natureza superior - cada um há de descobri-í-lo por si mesmo; acrescentamos, entretanto, notas e observações que serão úteis para aqueles que aspiram à Iniciação.

A cena da ação histórica do Bhagavad Gîtâ transporta-nos à planície da Índia, entre os rios Jumma e Sarsuti, atualmente conhecidos como Kurul e Jheed. Na capital do país, chamada Hastinapura (6), reinava, em tempos remotos, o rei Vichitraviría (7). Casou-se com duas irmãs, mas faleceu sem deixar filhos. conforme o costume dos antigos povos orientais, Vyâsa' (8), irmão do falecido, tomou essas viuvas por esposas e teve delas dois filhos: Dhritarâshtra (9) e Pându (10), Dhritarâshtra, o mais velho, gerou cem filhos (simbólicos) dos quais o primogênito chamava-se Duryôdhana (11). O mais moço, Pându, teve cinco filhos, todos grandes guerreiros, conhecidos como os cinco principais Pândavas.

Dhritarâshtra perdeu a vista, e continuou a ser rei nominalmente, entregando o poder real a seu filho Duryôdhana. Este, com o consentimento do pai, baniu do país os cinco filhos de Pându, seus primos, os quais, porém, depois de muitas vicissitudes, viagens e aventuras, voltaram à sua terra natal, acompanhados de mitos amigos e partidários, e formaram um poderosos exército aproveitando os guerreiros que lhes forneceram os reis vizinhos. Com a s suas forças marcharam para o campo dos Kurus, empreendendo uma campanha contra o ramo mais velho da família, os partidários de Dhritarâshtra, os quais se reuniram sob o comando de Duryôdrana, que substituía o seu pai cego; e, em nome da família dos Kurus, começou o ramo mais velho a opor resistência à invasão e aos ataques dos Pândavas.

O Bhagavad Gîtâ apresenta-nos esses dois exércitos, preparados para o combate. O comando ativo dos Kurus, cujo chefe é Duryôdhana, está nas mãos do general Bhishma (12), ao passo que o supremo comando dos Pândavas, é o famoso guerreiro Bhima (13). Arjuna, um dos cinco príncipes Pândavas (filho de Pându) e um dos principais personagens desta história, estava presente, ao lado de seus irmãos, e acompanhado em seu carro de guerra por Krishna, reputado pelos hindus como a encarnação humana do Espírito Supremo.

Krishina, amigo e companheiro de Arjuna, a quem amava por causa de sua nobre alma e da resignação com que este suportava as perseguições.

A batalha começou quando Bhishma, o comandante dos Kurus, deu o sinal, tocando a sua corneta, sendo seu toque imitado pelos seus partidários e respondido pelos Pândavas. Arjuna pediu a Krishna, ao princípio da batalha, que deixasse pairar o carro no meio do espaço entre os dois exércitos inimigos, para ver de perto as principais pessoas que tomavam parte na luta. Vendo, então, seus parentes e amigos, tanto de um como de outro lado, ficou horrorizado por constatar que se tratava de um guerra fratricida,  e declarou a Krishna que antes queria morrer inerme e sem se defender, do que matar seus parentes. Krishna respondeu-lhe com um notável discurso filosófico que forma a maior parte do Bhagavad Gîtâ, fazendo Arjuna reconhecer a necessidade dessa luta, em que ele e os seus partidários, finalmente, alcançariam completa vitória sobre os Kurus.

O autor põe a narração de tudo isso na boca de Sanjaya (14), fiel servidor do rei cego, Dhritarâstra.

Como já dissemos, além do sentido histórico, material ou literal, tem o Bhagavad Gîtâ (como toda Escritura Sagrada: a Bíblia, os Vedas, o Corão, etc.), ainda vários graus do sentido espiritual ou esotérico; e para que os nossos leitores possam, com facilidade, descobri-lo, lhes diremos que a luta aqui descrita é a que se trava no interior de cada homem, entre o "Bem" e o "Mal". Arjuna, o Homem, acha-se colocado no campo de suas ações, entre dois exércitos inimigos, dos quais os Pândavas representam as forças superiores, e os Kurus, as forças inferiores da alma. Ali está Arjuna, o filho de Kunti (isto é, da Alma) contra os seus parentes, os filhos de Dhritarâshtra (Vida material) ameaçado pelo Egoísmo, pelos seus prazeres e pelas suas paixões, que formam um poderoso exército de ilusões: a sua tarefa é vencê-las, para chegar ao conhecimento de sua verdadeira essência divina. Mas, como muitas dessas ilusões se lhe tornaram agradáveis, acha difícil combatê-las. A seu lado, entretanto, tem valentes guerreiros: a sua Consciência, o Amor do Bem e da Verdade, a Obediência à Lei Suprema, a Fé, a Convicção, etc.

Krishna, que lhe explica a verdadeira natureza humana e a sua relação com Deus, é o Verbo de Deus, Logos ou Cristo em nós, o nosso superior, imortal Ego Divino.

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Notas da editora:

(1) Bhagavad, variação de bhagavant, em sânscrito significa "sublime": Gîtâ (pronuncia-se guitá) - canção. Note-se que nas palavras sânscritas, g tem sempre o som gutural, h é aspirado; sh lê-se como ch ou x chiante (em chá, xarope); â, î, û têm o som prolongado; y é um ibrevíssimo; ch soa tch;

(2) Maha - grande; Bhârata - Índia;

(3) Krishna (sh lê-se x) representa o Homem-Deus, o nosso Ego (ou Eu) Superior;

(4) Arjuna representa o homem no estado evolutivo;

(5) Yoga significa união; yogi é aquele que realizou a sua união consciente com a Alma Divina;

(6) Cidade (pura) do Elefante (hastina);

(7) Vichitra - multicor, de muitas espécies; virya - poder;

(8) Agrado, prazer;

(9) Representante da vida material; instinto;

(10) Representante do elemento espiritual; intelecto. A palavra pându significa claro, pálido;

(11) Dificilmente vencível; obstinação.

(12) Terror; egoísmo;

(13) Terrível; a vontade espiritual.

(14) Sanjaya - vitorioso.

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Minhas notas:

(a) Patanjali: entidade mítica e divina à qual se atribui existência histórica real, tendo vivido supostamente entre IV a.C e IV d.C. Compilou os Yoga-Sutras, textos nos quais se baseia o Yoga Clássico.

(b) Kapila: sábio hindu, a quem se atribui ascendência Divina. Um dos luminares da Sankhyia Yoga.

(c) Vedas: conjunto de quatro livros em que se baseiam as tradições, a cultura e a espiritualidade hindus.


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